Há
mais de um século (1888), enquanto só os mais avançados países da
Europa e em menor escala os Estados Unidos, se preocupavam com a
cultura do povo, os líderes políticos de Itanhaém, já davam prioridade
à cultura do nosso Município, liberando a poquissima verba existente
para o Gabinete de Leitura.
Os nossos ancestrais têm muito a nos ensinar...
Naquela época, na maioria dos municípios brasileiros, a cultura
do povo não era muito bem vista pela elite dominante. O temor era
que seu povo tivesse acesso à cultura, em breve começaria exigir
seus direitos, pondo em risco os privilégios do sistema político
e social vigente.
A Idéia da Fundação do Gabinete de Leitura
Devemos a Isaías Cândido Soares, junto com João
Batista do Espírito Santo a idéia inicial para a fundação do Gabinete.
O Isaías era um amante da leitura e grande idealista para os padrões
da época.
Dessa foram eles espalharam a idéia entre seus
amigos, visando fundar uma Associação Cultural, iniciando pela assinatura
de um ou dois jornais.
Nessa época, o Isaías se encontrou com Benedito
Calixto, seu parente e amigo de infância que estava de passeio em
Itanhaém, e expôs-lhe. De imediato Calixto esposou a idéia, sugerindo
entretanto que devia ser fundada uma associação com objetivos mais
amplos, ou seja, além dos jornais, deveria ter livros, museu, biblioteca,
teatro, conferências, e até aulas noturnas para o povo de Itanhaém.
Calixto aconselhou-o a concretizar rapidamente
a Associação Cultural afim de aproveitar a presença em Itanhaém
do eminente médico de Santos, Dr. Henrique da Cunha Moreira, que
mais tarde foi eleito Deputado da Província de São Paulo.
Muitas pessoas trabalharam com entusiasmo para
a fundação, entretanto estas cinco pessoas foram fundamentais:
- Isaías Candido Soares - o idealizador
- João Batista do Espírito Santo - o propagandista
- Benedito Calixto - o aperfeiçoador
- Narciso de Andrade - o incentivador
- João Mariano Soares - o incentivador.
A
Reunião da Fundação
Em 20-07-1888, houve a primeira reunião na casa de Manoel Antonio
Ribeiro, onde no final, foi lavrada a ata de fundação da Associação
Cultural, que recebeu o nome de Gabinete de Leitura.
A
Data de Inauguração
No dia 5 de agosto de 1888, na residência do Capitão
Júlio Agostinho dos Santos, sob a presidência do Dr. Cunha Moreira,
foi solenemente inaugurado o Gabinete de Leitura Itanhaense, em
sede provisória.
Naquele dia estavam presentes várias autoridade,
a banda de música e o povo em geral, materializando, assim, os ideais
de Isaías, João Batista e Calixto.
A Sede Oficial
Em 5 de agosto de 1896, quando o Gabinete era
presidido pelo Coronel Narciso de Andrade, foi inaugurada festivamente
a sede social, que ficava ao lado do Cruzeiro, na subida da rampa
do convento. Em 1996, comemoraríamos o centenário da inauguração
daquele prédio histórico.
Biblioteca
Segundo conta o artigo de Vital Ferreira "O Gabinete
de Leitura Itanhaense", no relatório de 1896, existiam na sua biblioteca:
- 1043 volumes impressos
- 10 manuscritos de grande valor
- 12 mapas
- 18 jornais (15 por assinaturas e 3 de cortesia)
Exposição
Em
maio de 1900, houve uma grande exposição em São Vicente, como parte
das comemorações da inauguração do Monumento ao IV Centenário da
descoberta do Brasil. O Gabinente de Leitura participou do evento,
expondo vários objetos do seu museu, entre os quais as dragonas
e as insígnias do Capitão-Mor de Itanhaém de 1700. Onde estariam
essas raras relíquias?
Palestra
No dia 8 de setembro de 1922, Benedito Calixto
proferiu no Gabinete, brilhante palestra em comemoração ao primeiro
centenário da emancipação política do Brasil. Após a palestra, a
banda de Itanhaém realizou vários números musicais que encantaram
todo povo presente.
Bailes
Afora as dezenas de bailes que se realizaram no
recinto do Gabinete, dois devem ser lembrados com destaque, porque
foram realizados em junho de 1922 com a presença de pequena orquestra
comandada pelo grande Maestro Aurélio Prado.
Museu
Conforme Edson T. Azevedo, no seu artigo "Itanhaém
de Outrora" publicado no jornal A TRIBUNA de 7-9-1958, "no Gabinente
de Leitura havia dois armários envidraçados, um de cada lado, que
continha: dragonas (peças de metal amarelo que os militares usavam
no ombro, como distintivo), cartuchos, balas e espadas do tempo
da Guerra do Paraguai, livros, medalhas e medalhões, ossário de
baleia e peixes, arcos, flechas, colares e objetos de uso dos índios.
Havia também retratos de Vitor Hugo, Benedito Calixto, Narciso de
Andrade, etc..."
Conforme José Rodrigues Poitena, nascido em Itanhaém,
pescador e vereador no período de 1969 a 1972, além das peças acima,
havia também pedaçõs de meteoritos, bússolas e peças antigas de
canhão.
Teatro
Um pequeno palco foi construído nos fundos do
prédio e muitas peças teatrais foram ali encenadas. Em geral eram
comédias escritas com a colaboração de Benedito Calixto e Emygdio
de Souza.
Na gestão de João Alves Ferreira foi acrescentado
um "pano de boca" no palco, com pintura de Calixto, representando
as caravelas de Martin Afonso adentrando na barra para a fundação
da Vila.
Outras peças foram encenadas no Gabinete, principalmente
nas primeiras décadas deste século. Um grande entusiasta do teatro
era Emygdio de Souza.
Sua filha Clarice de Souza Mariano, nascida em
Itanhaém, informou que trabalhou em várias peças teatrais encenadas
no Gabinete, sendo algumas escritas pelo seu pai.
De acordo com a irmã de José Rodrigues Poitena,
Thereza de Jesus Poitena, ela também foi atriz de diversas peças
teatrais ali encenadas na década de 30. Uma das comédias chamava-se
"Um diabo atrás da porta", que fez grande sucesso na época. A Thereza,
em sua juventude, também cantava no Gabinete acompanhada de violão.
Concerto de Piano
No final da década de 40, foi convidada uma pianista
de São Paulo, de nome Matilde, para dar concerto de piano no Gabinete
de Leitura, porém a prefeitura não tinha dinheiro para o pagamento
do cachê artístico. O concerto foi realizado com sucesso e como
pagamento, a prefeitura deu para a pianista um lote de terreno de
20 x 50 metros aqui em Itanhaém. Como sua irmã veio junto, ela também
recebeu de presente um lote com as mesmas dimensões.
O Barbeiro, os Bailes e o Lixo
Conforme relato de antigos moradores, em 1949,
um barbeiro chamado Estevam, resolveu fazer um baile de carnaval
no salão do Gabinete de Leitura, e como precisava de bastante espaço,
pegou os livros, jornais, quadros, armários, etc, e colocou-os no
porão sem proteção especial. O baile foi um sucesso. Lotou tanto
que arriou o assoalho. Os materiais guardados no úmido porão, não
foram recolocados nos seus devidos lugares.
No ano seguinte, lembrando do sucesso anterior,
resolveu o Estevam fazer novo baile de carnaval, porém notando que
o piso estava arriado, contratou um carpinteiro para fazer o conserto.
Antes porém, ele resolveu fazer uma limpeza geral no porão e colocou
quase todos os objetos que ali se encontravam, dentro de uma carroça,
e em várias viagens jogou toda aquela "tranqueira" fora, no local
que hoje é o Mercado Municipal de Itanhaém.
O jovem Francisco Paniquar, então com 25 anos,
junto com outros jovens da época, viu o descarregamento daquele
"lixo", e sem saber do que se tratava, pegou um dos livros e o levou
para casa. Outras pessoas pegaram objetos e livros que já estavam
em mau estado de conservação e levaram embora. O livro guardado
pelo Paniquar, se encontra até hoje em seu poder, e se refere ao
Livro de Registro da Câmara, com 157 folhas manuscritas em ótima
caligrafia, e contém nomeações de professores, dotações de verbas
para presos, registro de visitas ilustres, registro de circulares
do Governo de São Paulo, etc. A data mencionada na primeira folha
é de 15 de novembro de 1855, ou seja, é uma verdadeira raridade
que poderia ter virado cinza. Outras pessoas de Itanhaém ou região
devem ter em suas posses, alguns dos livros e objetos ali jogados
fora.
Seria recomendável fazermos uma campanha visando
recuperar estas preciosidades.
A Decadência do Gabinete de Leitura
Não
devemos censurar com rigidez esse fato lastimável, provocado com
certeza, por um jovem humilde que desconhecia o valor histórico
daquele acervo. A culpa maior deve ser creditada aos responsáveis
da época, que deixaram no mais completo abandono aquele tesouro
cultural de Itanhaém, e por que não? do Estado de São Paulo.
A partir de então, vários bailes se realizaram naquele salão, o
qual serviu durante muito tempo de sede do Esporte Clube São Paulo.
Os anos foram passando, o prédio se deteriorando e as autoridades
se omitindo, até que foi feita a demolição final do agonizado Gabinete
de Leitura sonhado para dar cultura e lazer à nossa população. No
dia da demolição, não houve festa, nem autoridades e nem a banda
tocando...Nesse dia, com certeza, Isaías, João Batista, Emygdio
de Souza e Calixto devem ter se remexido de tristeza nos seus caixões.
Nota Final: Para finalizar, desejamos ressaltar que até 1948, o
Gabinete de Leitura ficava à disposição dos habitantes de Itariri,
e até 1959, ficava igualmente à disposição dos habitantes de Peruíbe
e Mongaguá, considerando que até aqueles anos os citados Municípios
pertenciam a Itanhaém.
Fonte: "Itanhaém Histórias & Estórias" (José Carlos Só) |